Combinados, o assédio moral e a discriminação religiosa ensejaram milhares de condenações por danos morais em todo o país. O levantamento da Data Lawyer, empresa de tecnologia jurídica, foi realizado a partir das palavras-chave “assédio moral religioso”; “assédio moral” e “religião”; “liberdade religiosa”; “discriminação” e “religião”.

De setembro de 2019 a setembro de 2022, foram identificados 21.707 processos envolvendo esse tipo de ofensa. A pesquisa considerou documentos contidos em processos não sigilosos e com ao menos uma publicação em Diário.

Ao longo do período pesquisado, o valor integralizado dessas causas alcança R$ 4,81 bilhões.

O estado de São Paulo é onde se concentra a maior quantidade de processos ativos sobre assédio moral religioso. Foram 7.020 ao longo de três anos, conforme o levantamento. Ele é seguido de Paraná (1.616), Minas Gerais (1.530), Rio Grande do Sul (1.488) e Rio de Janeiro (1.020).

O que é

O assédio moral é reconhecido quando há uma situação de constrangimento no ambiente de trabalho que resulte em dano à personalidade da pessoa. Essa conduta pode acontecer em um único ato ou de maneira repetida, conforme descrito na Convenção 190 da OIT.

No caso do assédio moral religioso, o constrangimento e a humilhação têm por motivo a religião. Ele normalmente se origina em uma discriminação de determinados grupos nos espaços da empresa em razão da fé. O ofensor, além de identificar uma crença com a qual não compactua, adota ações e práticas depreciativas em relação à pessoa que a pratica.

Dois exemplos reais

Em uma ação na 3ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul (SP), uma trabalhadora relatou sofrer tratamento vexatório por sua supervisora, sendo constantemente ofendida por adotar como crença o candomblé (religião de matriz africada que cultua orixás). Segundo a autora da ação, sua superior fazia insinuações de que era “macumbeira” e, quando passava pela mesa da funcionária, bradava: “chuta que é macumba”, “pisa na cabeça dessa serpente”, “tá amarrado esse satanás”, “tá amarrado em nome de Jesus”.

Uma testemunha confirmou o tratamento humilhante e relatou que pessoas no mesmo ambiente riam e “também entravam na onda”. Sentindo-se ofendida e ridicularizada, a mulher recorreu a outras supervisoras, mas a solução não veio. A sentença na Justiça do Trabalho condenou o empregador ao pagamento de indenização de R$ 15 mil por danos morais.

No Paraná, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região manteve uma condenação ao pagamento de R$ 20 mil a uma mulher demitida por se recusar a vestir uma camiseta com a expressão “princípios judaicos cristãos”. Uma testemunha declarou que o uso era obrigatório e que um dos gestores, em reunião, ameaçou demitir quem não seguisse a mesma “religião que a empresa”. Outros funcionários também foram dispensados pelo mesmo motivo.

Os desembargadores da 5ª Turma da Corte Trabalhista consideraram que restou comprovada a coação no que refere à religião, em desrespeito ao artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal, segundo o qual “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

Responsabilidade das organizações

A relação de trabalho é uma relação de poder, na qual o empregador pode mandar e desmandar. Essa autoridade, contudo, não é ilimitada e esbarra nos próprios direitos da pessoa humana. A empresa tem a obrigação de garantir que os funcionários possam exercer suas funções sem deixar de ser quem eles são.

Para o advogado e especialista em compliance Giovanni Falcetta, é importante a criação de códigos de conduta. Contudo, cabe à alta direção da empresa liderar pelo exemplo, fazer campanhas de conscientização que mostrem a necessidade de ambiente saudável e deixar claro que a discriminação religiosa e o assédio não serão admitidos.

Se a prevenção é insuficiente, é preciso criar oportunidades para que o problema seja descoberto. Isso pode aparecer no canal de denúncias ou com métodos mais sofisticados, como a pesquisa de clima e a análise do sistema de integridade e da cultura corporativa.

Entendendo os fatos, a organização deve passar para a aplicação concreta de penalidades, a fim de coibir esse tipo de prática. Elas podem variar desde uma advertência verbal ou escrita até algo mais severo, como o extermínio da relação de trabalho.

*Com informações do site Jota.