Em 2005, James Austin, renomado professor da Harvard Business School e autoridade no tema do empreendedorismo social, salientou que estávamos passando por uma mudança significativa nas tradicionais relações de troca entre parceiros, sendo que o “preenchimento de cheques” estava dando lugar a vias mais amplas e profundas de interação e isso só traria benefícios, tanto para as empresas, quanto para as organizações da sociedade civil envolvidas.
Há mais de cinco anos trabalhando no intermédio das relações de troca entre empresas investidoras e organizações da sociedade civil, além de realizar pesquisas nesta área, eu posso afirmar que as constatações de Austin, que estão baseadas em um estudo envolvendo 41 pesquisadores sobre 24 Organizações da Sociedade Civil Sem Fins Lucrativos da América Latina, ainda não fazem parte das estratégias de mobilização de recursos de muitas organizações do terceiro setor.
Grande parte das pessoas responsáveis por mobilizar recursos nessas organizações, ainda trabalham de forma pontual, emergencial e sem planejamento. Esses profissionais me procuram para “captar recursos” para seus projetos e organizações, como se fosse a solução para a sustentabilidade das ações que pretendem realizar em curto prazo.
O que tenho dito, constantemente, é que mobilizar recursos vai além da captação de um valor aqui e outro lá. Mobilizar recursos é um processo, que tem que ser construído de forma planejada para que se torne uma atividade estratégica e essencial para a organização. Desta forma, as organizações não precisam de um “captador” e sim de rotinas orientadas para a constante busca do potencial parceiro e da sustentabilidade das parcerias conquistadas.
Segundo dados do IBGE, em 2005, existia no Brasil 338mil Fundações e Associações Privadas sem fins lucrativos – um número significante e que provavelmente seja maior atualmente. Para a Associação Brasileira de ONGs (ABONG), esse desenvolvimento de organizações merece um olhar atento, pois é necessário observar o nível de precariedade desse crescimento, levando em conta as frágeis formas de sustentabilidade dos trabalhos desse setor no Brasil.
Diante desse desenvolvimento, surgiu o conceito de parcerias sociais, como uma das principais formas de relacionamento entre os três setores (Estado, Mercado e Sociedade). Para alguns autores, entre eles Austin, o conceito de parcerias sociais está relacionado as formas emergentes de colaboração que envolvem mais – e diferentes – tipos de fluxos de recursos bilaterais e geram maior valor do que a abordagem tradicional, ou seja, de pedir doação em curto prazo e sem envolver os parceiros na causa.
O conceito de parceria é oriundo da administração. Segundo Noleto (2004), as empresas percebem que só há uma forma de sobreviver em um mundo altamente competitivo e globalizado: a união e a soma de esforços. Esse conceito está há tempos introduzido no mercado empresarial, um exemplo são as Joint Ventures, que são os empreendimentos conjuntos ou associação de empresas. Por esse e outros motivos, que abordar um potencial investidor apresentando uma proposta de parceria é muito mais eficaz do que apresentar uma proposta de patrocínio, apoio ou doação.
Mais do que apresentar uma proposta clara e justa de parceria, é necessário pensar ações para tornar uma parceria sustentável. A queixa que mais escuto das organizações sociais é sobre as dificuldades de manter ou garantir a renovação de uma parceria. É aquela verdadeira “dor de cabeça” todo o final de ano. Aliás, esse é o único período que a maioria das organizações lembram de contatar os seus parceiros! O que, de fato, é um erro.
O conceito de Parcerias Sociais Sustentáveis, termo que desenvolvi após uma pesquisa nesta área, está ligado aos quatro componentes que Austin identifica em sua pesquisa. São eles:
1) Comunicação: início e construção da relação. Está ligado ao processo de aproximação e comunicação com o potencial parceiro. É uma fase essencial e importante que perpassa todo o processo da parceria. É nesse componente que se deve responder a pergunta: de que forma a determinada colaboração intersetorial pode beneficiar minha organização? Essa pergunta vale para todos os envolvidos, ONG e empresas;
2) Alinhamento: alinhamento entre as missões, as estratégias e os valores das organizações. Quanto menores as capacidades institucionais das ONGs, maiores as barreiras ao diálogo intersetorial e conquista de parceiros. É fundamental que as culturas das organizações envolvidas estejam alinhadas, caso contrário, torna-se difícil desenvolver visões compartilhadas;
3) Valor: geração de valor para os parceiros e a sociedade como um todo. É o que impulsiona o envolvimento ativo e comprometido de uma organização nas colaborações. Se uma parceria intersetorial deixar de beneficiar os parceiros, logo chegará ao fim;
4) Confiança: gerenciamento da interface com o parceiro. Está ligado à construção de confiança, de tornar o parceiro fiel e a parceria sustentável, utilizando processos transparentes,demonstrando resultados e construindo em conjunto com os parceiros.
Esses quatro componentes planejados antes, durante e depois da conquista de um parceiro são o diferencial para uma parceria se tornar sustentável.
Tenho visto muitos projetos criados sem estratégia alguma, muitas vezes, desenvolvidos individualmente por seus proponentes ou por amadores da causa, sem pesquisa de cenário e de potenciais parcerias. Esses projetos, mesmo que aprovados nas leis de incentivo, acabam não conseguindo parceiros e, por falta de recursos, não se realizam.
O desenvolvimento de parcerias sociais sustentáveis indica que é preciso construir projetos junto com os parceiros ou potenciais parceiros; que é necessário gerar valor (trocas) para ambas as partes; que é necessário perguntar e saber responder a pergunta: de que forma a determinada parceria pode beneficiar minha organização? E que os parceiros devem estar alinhados em suas missões, valores e princípios.
Muitos líderes de organizações sociais e mobilizadores de recursos podem pensar que poderia ser tudo mais fácil, que nada desse esforço deveria existir, pois lidam com demandas sociais e não comerciais. Porém, a realidade do nosso país, por enquanto, é essa: muitas demandas sociais nas “mãos” de organizações privadas. Ou seja, a área social, também virou um mercado e precisa pensar de forma estratégica para sobreviver.
Neste cenário, acredito que o conceito de parcerias sociais sustentáveis seja justo e adequado para contribuir com a mobilização de recursos no terceiro setor. Pelo menos, as minhas experiências, neste formato, tem sido de sucesso.
Fonte: Cultura e Mercado